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O cinema de super-heróis precisa de um Watchmen

Desde que aprendi a ler, leio quadrinhos. Primeiro me limitavam aos quadrinhos da Disney. os do tio Patinhas eram os meus favoritos pelo clima de aventura e caça ao tesouro ao redor do mundo. Gostava muito das histórias do Chico Bento, pela proximidade com meu cotidiano e identificação com o personagem. Lia o que caia na minha mão e o pouco que podia comprar.

Com o tempo, estas leituras foram sendo substituídas. Sai o Bairro do Limoeiro e surge a Cozinha do Inferno do Demolidor. Patópolis cede seu lagar à Gotham. Chegam os super-heróis da Marvel e DC, que até hoje acompanho. A maioria das leituras iniciais eram de gibis já antigos, todos pré Crise das Infinitas Terras.

Até que em 1995 uma cópia da primeira edição brasileira de Watchmen caiu na minha mão. Eu sinceramente não tenho o que dizer de Watchmen que já não tenham dito. Da sua importância para a História das HQs, do impacto na indústria como um todo. Claro que houveram o Cavaleiro das Trevas, Sandman, V de Vingança, Miracleman e outros. Mas o meu primeiro impacto foi com Watchmen.

Daquela época até hoje li muito,me diverti muito. E no começo, uma reclamação recorrente era que depois dos filmes do Superman com o Reeves, nunca mais teve um bom filme de super-heróis. Até do Batman do Tim Burton e o filme do Sombra de 1994 já ouvi muita reclamação. Tudo isso começou a mudar com Blade, estrelado pelo Wesley Snipes em 1998.

O cinema de super-heróis precisa de um Watchmen - Blog Farofeiros

Um filme que misturava ação e terror na medida certa, protagonista carismático, clima sombrio. Vale ainda um texto sobre a influência de Blade em toda a indústria cinematográfica, mas não hoje.

Depois de Blade vieram X-Men de Brian Singer (2000), Homem-Aranha de Sam Raimi (2002) e Batman Begins de Christopher Nolan (2005). Todos se tornaram trilogias com segundos filmes memoráveis e terceiros filmes questionáveis.

E então vem Jon Fraveau e entrega o Homem de Ferro em 2008. Um filme de super-heróis sem vergonha de sê-lo. História bem simples, protagonista transbordando carisma, bom humor e toda aquela energia que o nerd gostaria de ver e não encontrou em outros filmes. Todos queriam ser Tony Stark.

E o arremate foi Samuel L. Jackson na primeira cena pós-créditos, convidando Stark a participar dos Vingadores e inaugurando o MCU. Vale lembrar que Bryan Hitch usou o rosto de Jackson como modelo para o seu Nick Fury nos dois volumes de Ultimates (2002-2004). Não conheço um fã de quadrinhos que não adiantou a comemoração do Ano-Novo ao ver aquela cena.

Vieram então dezenas de filmes. Uns ótimos, muitos bons, outros nem tanto (Sim Thor 2, estou falando de você…) formando uma grande história em diversas fases que culminou no desalento de Thanos diante do estalar de dedos de Stark no clímax de Vingadores Ultimato (2019).

E então vieram filmes e séries que obviamente você sabe que não empolgaram tanto. Foram muito comentados, e alguns foram sucesso de bilheteria, mas sempre com muitas ressalvas. Falta carisma, falta ousadia, falta história! Algumas críticas são bem injustas e dão vazão ao pior lado do nerd, como foi o caso em Viúva Negra e Shang-Chi, ambos de 2021.

Mas revendo alguns filmes, vocês vão perceber que a fórmula sempre esteve ali. Como unidades, vários filmes já tinham este clima mais infantil. Foram raras as vezes em que você sentiu alguma tensão durante a história, algum risco de algo dar errado para os mocinhos.

O que eram filmes confortáveis, justamente pela ausência de surpresas em geral, tornaram-se filmes desinteressantes. E essa preguiça também aparece nos próprios roteiros, vide os plots de Homem Aranha: Sem Volta para casa (2021), Doutor Estranho no Multiverso da Loucura e Pantera Negra: Wakanda para Sempre (sim, o filme usa bem nossos sentimentos pelo Chadwick Boseman, mas tem um roteiro bem capenga…) ambos de 2022 e o mais recente Homem Formiga, lançado este ano.

Guardiões da Galáxia 3 estreia esta semana com um diretor já com os dois pés dentro da concorrência e anúncio de vários atores não retornarão aos papéis após a conclusão da trilogia. E incomoda a sensação já constante de não saber se a “Fórmula Marvel” vai matar um filme que poderia ser um grande final para essa história.

E chegamos no ponto que precisamos nos incomodar e dar razão ao Alan Moore quando ele disse que filmes de quadrinhos são ridículos por serem filmes de personagens criados décadas atrás para entreter crianças sendo usados para atrair homens de meia idade e complexos com a própria masculinidade aos cinemas.

O cinema de super-heróis precisa de um Watchmen - Selfie Manhattan e Adam Warlock - Blog Farofeiros

E como podemos mudar isso? O cinema de heróis precisa de um Watchmen. Não um filme de herói com vergonha de si próprio e tentando ser adulto, como Batman Cavaleiro das Trevas de 2008. Mas algo que realmente desconstrua o gênero e ao mesmo tempo o revitalize.

Vale lembrar que tanto o filme que adapta Watchmen dirigido por Zack Snyder em 2009 quanto a série lançada pela HBO em 2019, que se propõe a ser uma continuação da graphic novel original conseguiram exercer este papel. The Boys nem chegou perto disto.

Precisamos de um filme ou série que critique, desconstrua e revitalize o gênero, tornando-o algo novo. Algo que ria desta audiência conservadora, tão apegada à própria nostalgia de uma infância que na verdade é cheia de fraturas que é capaz de sair da sessão do filme de um sujeito que cavalga formigas e vai pra internet reclamar da nova versão de She-Ra por ela não ser sexy ou feminina o bastante para ele, que sempre ia fazer outra coisa enquanto o episódio da irmã do He-Man passava no programa da Xuxa.

Não precisamos de mera novidade. Não precisamos de grandiosidade. Nem de nostalgia (aquele Michael Keaton no filme do Flash é isca pra pegar nerd na casa dos 40 anos pra cima, você sabe que estou certo).

Se querem filmes adultos de super-heróis, e nem todos esses filmes precisam ser adultos, não precisam de sangue, sexo ou uma paleta de cores sépia.

Ele precisa de uma abordagem adulta. E a audiência tão adulta quanto.

Por Dennis Almeida

Professor! Tentando sempre falar da História NAS Coisas e Educação!

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