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Godzilla Minus One

Vale a pena assistir Godzilla Minus One.

Godzilla Minus One, o filme do diretor, roteirista e supervisor de efeitos visuais Takashi Yamazaki ganhou semana passada o Oscar de Efeitos Visuais na edição de 2024 da premiação. Aproveitemos a deixa para falar sobre o filme, que segundo comentaram no saudoso Twitter, claramente é a continuação de Oppenheimer. Vale a pena ser visto?

Rodrigo Salem - Twitter - Oppenheimer e sua sequência Godzilla Minus One levaram o Oscar hoje - BLOG FAROFEIROS

Foi uma premiação histórica, pois pela primeira vez uma obra de língua não-inglesa venceu na categoria Efeitos Visuais e também foi o primeiro filme da franquia que completa 70 anos este ano a receber um Oscar.

Com tantos blockbusters sendo despejados no mercado em ritmo de fast-food com efeitos especiais de qualidade digamos, no mínimo duvidosa, o filme de Takashi Yamazaki traz uma satisfação enorme. Ao contrário da iguana gigante de Godzilla (1998), que só surgia em cenas noturnas, em Godzilla Minus One suas aparições são na maioria das vezes à luz do dia, não se utilizando do recurso da escuridão como muleta para compensar efeitos digitais pouco eficientes. Mesmo a outra versão estadunidense, Godzilla (2014), que já tinha uma qualidade disparadamente melhor em termos de efeitos, abusava de cenas mais escuras. E aí que os efeitos visuais em Godzilla Minus One mostram toda a sua força, o gigantesco monstro é crível, o espectador compra a ideia que o dinossauro é real.

As cidades de Tóquio e Ginza dos anos 1940s foram totalmente reproduzidas digitalmente em CGI. Impressionam também as cenas marítimas, as ondas que o Godzilla cria durante sua passagem são extremamente realistas e o mais importante: não chamam atenção para si, os efeitos visuais cumprem bem o seu papel de serem ferramentas para contar a estória, proporcionar uma imersão naquele mundo e não causar estranheza mesmo em sequências filmadas em plena luz do dia. Só para se ter mais ou menos um parâmetro entre seus concorrentes nesta categoria no que tange orçamento (valores totais, sem especificar o montante para efeitos visuais): 

  • Resistência: U$80 milhões
  • Guardiões da Galáxia vol. 3: U$250 milhões
  • Napoleão: U$200 milhões
  • Missão ImpossíveI – Acerto de Contas parte 1: U$291 milhões
  • Godzilla Minus One: U$10-15 milhões (não foram informados valores exatos)

Durante toda sua carreira, Takashi Yamazaki, além de diretor, sempre atuou como supervisor de efeitos visuais, os únicos trabalhos nos quais não cuidou disso foram animações, portanto nada mais natural que os efeitos visuais recebam muita atenção em suas obras. Um diretor com este background consegue pôr em prática o que ele mesmo vislumbrou a partir do rascunho do roteiro com muito mais facilidade, é filmar já sabendo exatamente o que fazer na pós-produção, o que dá muito mais unidade ao projeto. Um fato interessante revelado por ele em entrevista ao também diretor Yasuo Baba é que percebendo que o computador que tinha disponível para a produção não era rápido o suficiente, investiu recursos próprios em um com desempenho melhor, que desse conta do recado.

Outra curiosidade: A intenção de Yamazaki nunca foi ser diretor, sua paixão desde criança sempre foram os efeitos visuais. Algumas cenas de CGI que segundo ele “ninguém queria muito fazer”, como árvores e grama, foram animadas pelo próprio diretor que aprendeu a técnica do CGI para ele mesmo pôr a mão na massa. Para ele as pessoas sempre vão comentar os pontos fracos de um filme, portanto o importante é focar nesses pontos fracos e assim melhorar o filme como um todo. Sendo um diretor que incentiva que sua equipe tenha total liberdade para expressar o que pensa, disse que já ouviu de alguns membros coisas rudes sobre o material bruto de designs feitos pelas suas próprias mãos, como “o que você fez aqui ficou ruinzinho, difícil de entender, mas eu dei uma melhorada”, tendo o diretor respondido: “Você tem toda a razão!” revelou aos risos.

Estruturalmente o roteiro segue uma linha bem clássica, sem querer reinventar a roda, se utiliza muito bem dos clichês cinematográficos e sabe “brincar” muito bem com eles. Logo no título, Minus One, já reforça a ideia de que no pós-guerra o Japão chegou à estaca zero e enquanto está ainda no começo de sua reconstrução Godzilla ressurge, agora em tamanho colossal e sopro atômico, adquiridos graças aos testes nucleares estadunidenses em ilhas do Pacífico (que realmente aconteceram durante a Operação Crossroads no Atol de Bikini) e traz o país ao nível menos zero. O filme começa apresentando o piloto kamikaze Kichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki) que desiste de sua missão suicida fingindo que seu caça está avariado e pousa numa base japonesa localizada na fictícia ilha Oda (a mesma do filme original de 1954).

Godzilla Minus One - 1 - BLOG FAROFEIROS

De cara o enredo já coloca na mesa a discussão “vale a pena sacrificar a vida por uma missão que está fadada a não dar nenhum resultado?” Durante a noite Godzilla já faz sua primeira aparição, o enorme monstro surge ainda longe de sua versão mais colossal, talvez do tamanho do tiranossauro da franquia Jurassic Park, porém grande, assustador e brutal o suficiente para transmitir à cena um clima de terror. Cena que remete muito ao primeiro filme de 1954 e é a única em que Godzilla aparece no escuro. Os takes do ataque da criatura criam uma atmosfera que faz crer que teremos uma obra mais voltada para o gênero horror, mas logo o ritmo muda.

Ao fim da guerra, o piloto retorna à sua casa apenas para descobrir que está tudo em escombros e toda a sua família está morta vítima dos bombardeios, sua vizinha sendo a única sobrevivente conhecida em meio à terra arrasada. Aqui o sentimento de culpa por ter sobrevivido o assombrará a todo instante. Para o kamikaze Shikishima a guerra nunca acabou e aí o terror dá lugar ao drama de guerra.

O acaso faz com que ele acabe formando uma espécie de família não tradicional, mas apesar dos fortes laços que acabam sendo criados, ele nunca se permite abraçar completamente nenhuma relação emocional por que nunca se considerou digno de ter sobrevivido.

Um tema importante que o filme trata é o sacrifício, mas que sacrifício seria esse? Imolar-se por uma nação, por um imperador, pela honra? Qual o valor da vida? Estas questões quando observadas do ponto de vista da sociedade japonesa têm um peso que deve ser considerado quando assistimos à obra. Em Godzilla Minus One, o ideário imperial japonês durante a Segunda Grande Guerra no qual as vidas dos soldados tinha um valor menor ante a nação é subvertida. O sacrifício, a “morte honrosa” a todo momento são questionados.

Godzilla de Godzilla Minus One, ao contrário do ser do monsterverse, é uma criatura que remete às suas origens: uma força imparável da natureza e da irresponsabilidade humana. É como um terremoto, um tsunami, um ciclone, um vulcão em erupção, a fúria de um deus, um reator atômico vivo causando destruição pura e simples, sem pena ou remorso. O roteiro extrai sua força das relações entre os personagens humanos, seja entre a família não tradicional, seja entre os colegas de Shikishima no grupo cujo trabalho é ir em um pequeno barco de madeira (para evitar minas magnéticas) para destruir minas marinhas que foram lançadas tanto pelos EUA quanto pelo Japão durante a guerra e ainda são um perigo à navegação. 

Aqui temos representada a união do povo se empenhando num esforço coletivo para combater uma ameaça direta e ao mesmo tempo questionando as decisões do governo e o tal sacrifício pela honra. É uma coletividade que não anula o indivíduo, onde (ao contrário da ideologia fascista) cada vida importa. Essa diferenciação é muito importante de ser compreendida, pois ainda hoje há quem exalte os “valores e espírito da honra japonesa” meio que indo por caminhos tortuosos e perigosos, muito parecidos com a ideologia imperial nipônica da Segunda Grande Guerra que cooptou este espírito a um regime totalitário.

O filme sempre põe em xeque este “seguir o governo a qualquer preço”, mesmo que o custo seja a própria vida. Um exemplo é quando o plano para derrotar Godzilla é apresentado à sociedade numa reunião e pergunta-se quem estaria disposto a se voluntariar e colocá-lo em prática mesmo sabendo dos riscos em seguir uma estratégia sem garantias de sucesso. Neste momento muitos se recusam, mas em momento algum são julgados, subvertendo a ideologia de culto à morte adotada pelo governo japonês quando os soldados eram pressionados a sacrificar suas vidas.

Godzilla Minus One - 2 - BLOG FAROFEIROS

Godzilla Minus One traz toda aquela ação e destruição que se espera de um filme monstros, mas é muito mais que isso. Tem o lagarto gigante demolindo prédios como se fossem brinquedos? Tem. Tem aquela trilha sinfônica clássica da franquia? Tem. O compositor Naoki Sato fez belos arranjos sobre o tema tradicional e a trilha sonora está realmente épica, aliás, estou ouvindo enquanto escrevo este texto. Sopro atômico? Tem. E com destaque para o modo como ele “carrega” seu poder antes de utilizá-lo, que é algo muito empolgante de se ver!).

O filme traz de volta o sentido primordial de Godzilla que é o trauma de uma nação que sofreu com os ataques das bombas nucleares que em instantes destruíram construções e mataram milhares de pessoas, além de deixar sequelas terríveis nos sobreviventes, tanto físicas como emocionais. Em Godzilla Minus One você se importa com os os personagens humanos, eles não são unidimensionais, sentem culpa, medo, raiva, são falhos, não são meros objetos de cena a serem pisoteados e seus dramas aumentam a tensão de um ataque iminente do monstro, a “torcida” do espectador é pelas pessoas, não pelo Godzilla. Enfim, é um filme para se contemplar, refletir e se emocionar.

Dedico este texto à minha tia que nos deixou este ano e que tem o mesmo nome da personagem da menina órfã do filme. Saudades, Akiko.

E… AAAAAAAAAA, este é meu primeiro texto aqui no blog FAROFEIROS, TÔ FELIZÃO ^^

Por Highlander Firak

Palpiteiro aleatório, editor de cortes do canal FAROFEIROS, não falo com estranhos, só com os muito estranhos. Ativista da causa pela proteção da fauna kaiju.

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