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Isso não é um desabafo

Isso não é um desabafo, entendeu?

Você liga o rádio e o número de óbitos apenas aumenta, enquanto governo se empenha em reabrir a economia e não em preservar as vidas…

Você liga a televisão e os protestos contra governo federal tomam conta dos noticiários… 

Enquanto, por um, lado você pensa na necessidade do distanciamento social pra controlar a curva, por outro alimenta uma esperança de que isso cause algum efeito mágico que nos faça sair desse pesadelo que é viver em um país sem liderança… 

Você acessa as redes sociais e vê os protestos nos Estados Unidos, mais notícias de assassinatos de crianças nas periferias brasileiras e, por fim, não consegue assimilar direito tantos fatos dolorosos… 

Você desiste do rádio, da TV e das redes… vai viver seu mundo off-line. Na sua casa a convivência com familiares não é tranquila, sua mente não fica paz. As divergências acontecem pela convivência prolongada ou pelo peso das informações do mundo externo à porta da sua casa. Ocorrem as agressões verbais, você se desequilibra, sente-se frustrado e não entende como pode ter tantas diferenças morais ou ideológicas com as pessoas que moram na mesma casa que você… 

Você - www.farofeiros.com.br

Você precisa lidar com tarefas domésticas atribuídas e dar conta do seu trabalho, ao mesmo tempo amigos solitários te procuram para passar o tempo e buscam seu amparo, familiares distantes mandam mensagens sem entender porque você parece triste em seus perfis em redes sociais, sua mente não processa mais as informações das mídias que você consumiu horas antes… 

Você agora sente que seus pensamentos estão uma bagunça, sua memória já não parece tão boa, sua auto-estima não está nada bem… 

Você desabada uma, duas, três vezes… chora no chuveiro, no quarto ou sentado na sala sozinho na madrugada… por vezes fuma um cigarro ou um maço tentando aliviar o seu estresse… toma uma dose ou duas ou mais de alguma bebida alcoólica tentando em vão relaxar e, quem sabe, adormecer… 

No entanto seus pensamentos estão acelerados, você já não consegue entender o que são memórias reais do que são invenções da sua mente dissonante. Nesse instante você decide recuperar suas memórias buscando familiares distantes e velhos amigos que há muito não procurava, mas você já pouco sabe de suas vidas e suas memórias antigas talvez não sejam tão claras… 

Mesmo redescobrindo algumas memórias e tentando manter a mente limpa, você se sente sozinho e frustrado pelo peso de tudo. Observa a vida de seus antigos afetos e tenta, desesperadamente, encaixar a atualidade em suas antigas lembranças, mas as pessoas mudaram… 

Você olha pra aqueles que compunham uma parte importante do seu passado e, até então, pareciam ocupar um lugar em seu presente…mas você já não sabe mais sobre aquelas pessoas, sobre seus gostos, seus ideais, seus amigos mais fiéis… você não (re)conhece grupos pelos quais elas perambulam, com quem elas tem planos, quais são os seus amores e os seus desamores… 

Distante fisicamente, você não as vê chorar ou desabar uma vez se quer e não entende como essas que lhe eram tão próximas e estimadas já não se encaixam mais nas suas velhas lembranças… 

Tio Sam - www.farofeiros.com.br

Mais uma vez, seus pensamentos aceleram, seu coração dispara e você é acometido pela frustração e profunda tristeza, você tenta buscar as emoções positivas mas não consegue… 

Você se depara com a possibilidade de entender e assimilar que seus afetos do passado mudaram ou apenas menosprezar o não encaixe em sua realidade… você opta pelo caminho mais fácil… 

No dia seguinte… você liga o rádio…

Por Paola Costa

Professora, podcaster e palpiteira. Só falo de temas aleatórios, não reparem a bagunça (ou reparem).

4 respostas em “Isso não é um desabafo”

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